domingo, 27 de dezembro de 2015

A morte desfaz o conceito.

Mãe, às vezes a dúvida não é metódica e é insistente.
Como é que chegámos aqui?
Como é que te caiu o cabelo?
Como é que não cessou a paranóia de, no escuro do medo, garantir que te via respirar?
Como é que não estava lá quando paraste?
Como?
Como é que a pele só se te agarrava aos ossos?
Como é que te esqueceste dos números?
Como é que não te esqueceste de como se fumava?
Por que é que eu não te pedi que sobrevivesses?
Por que é que só te fui vendo, tal qual observador estrangeiro?
Como é que não ficaste e envelheceste como devia ser?
Como é que foste da grandeza de não me agrilhoares quando errei?
Como é que foste da grandeza de me deixares
 ser tão livre?
Como é que deixaste de andar?
Quando é que tudo passou a ser só dor?
Como é que tu aguentaste?
Quando é que deixaste de comer?
Quando é que deixaste de ser dona de ti?
Quando é que não valia mais a pena?
Quando foi que?
O ser humano acaba quando acaba a sua possibilidade de amar?
O corpo, a carne viva. Vivemos para o corpo. E o decrépito nada tem.
Morreste-me, mãe, e eu não sei o que fazer com isso.

quarta-feira, 9 de dezembro de 2015

Melancolia

Aqui não se dorme por excesso de consciência.




[O luto é da felicidade infantil de quem tem todo o tempo do mundo.]

segunda-feira, 30 de novembro de 2015

Não é só a alma que me dói

Doem-me os pretéritos perfeitos e imperfeitos que me obrigas a usar
Foste
Eras
Dói-me o peito, que já não podes esfregar
Dói-me a garganta, que já não podes curar
Dói-me o coração, que já não podes acalentar
Doem-me os oOlhos, que já não podes secar
Dói-me o corpo, que já não podes agarrar
Dóis-me tu
Dóis-me não-tu
Dizes-me: Aí, onde estás, é temeroso?
Ou não é, simplesmente?
Ardem-me os pés de cansaço.
Tanto. Mas tanto.
Se estiver à beira do precipício
Importa que o tempo tenha descolado
Da superfície
E, aí,
Aí, o exercício de estar vivo é realmente o mesmo que estar morto
Tudo quanto tenho para te dizer
Já não o posso fazer
E escrever
escrever
torna-se
na ilusão de uma cura que
Nunca vem

quinta-feira, 19 de novembro de 2015

Mãe

- Mãe, estou apaixonada.
- Então, filha?

Diz o sorriso que, a par do corpo enfermo , é da força da mulher que me esfregava o peito quando a dor parecia não caber mais.


[Amo-te como se o último trago de ti fosse realmente a canção das coisas simples que o tempo, indiferentemente, devora]

quinta-feira, 8 de outubro de 2015

Deus não escreve

Nestas horas que passam, indiferentes ao desespero, era tão apaziguador que contemplar o céu não fosse só azul petróleo e silêncio.

...beijar-te a testa devia curar-te.

terça-feira, 1 de setembro de 2015

Bêco da saudade

Desta necessidade lancinante
de
Constantemente
num meio-que frenesim vão
arrancar sempre
a mesma crosta
Até a purga resultar



As palavras não têm realmente alcance. E este título é só o nome perdido de uma terra qualquer.

quinta-feira, 20 de agosto de 2015

Título da história sem formato

Gostava de escrever uma estória
   Que fosse um crescendo
      Como um balão a encher-se de ar
         Que crescesse,
                    Crescesse,
                        Crescesse,
          Que crescesse tal que se não crescesse,
               o balão ficaria lasso
          Até que em um ponto da sua vida
          Digo, história
          Se se percebesse que o ponto do ponto está em esvaziar
                      E fluísse, apenas...


[Mas não tenho paciência para escrever estórias dessas]

terça-feira, 9 de junho de 2015

Vernáculo

Dimensão alternativa: tempo.
Uma palavra para deixar para trás.
Fixo.
Estanque.
Um prefixo de negação
Um sufixo de ab-negação
Retroceder
Na dialéctica
da contradição
És um só e não és esse
O tempo é outro
Que não tu
Este temeroso estar
Sempre no mesmo lugar
Que não é nenhum
Que é sobreposições, no plural,
De dimensões opacas
O rubor
O torpor
O rubor
O torpor
São tudo as mesmas coisas
Em asfaltos
Diferentes


quarta-feira, 27 de maio de 2015

Avant-garde

Fuzilei o discernimento no delete automático que esta merda deveria ter.
Como auto-censura que deveria ser.
Às vezes, não tenho filtros. É(ra) por isso.
O remoto não vem aos pares como vem em substantivos, já não sei o que fazer à [minha] língua portuguesa.

-mais palavras au-tistas, não, a-u-t-ó-m-a-t-as. Não, estrangeirismos. Isto hoje está a ser um bocado estranho.
Como sempre, não é verdade, Inês? -


p.s. (de uma mensagem não subliminar): O título devia (v)ir a itálico. É uma questão de....geografia.

Complemento circunstancial

O tempo é só mais um espaço.
De ocaso.




quinta-feira, 23 de abril de 2015

Os tempos não são sem os espaços

Acho que estou
Encarcerada neste quadrante verbal
De sempre retornar a um
Nunca, nunca retornar
Indicador de conclusão [ó-de abstracção]
Da puta da consubstanciação
e da erradicação que
Não são
Uma cem a outra
Quantificação
da
Expropriação
Queria arranjar mais verbetes para dizer "perder-se de si"
neste arranjo dissimulado, amarnado de se cuspir o pensamento em
Sílabas que
Já não são de quem as...
Acho que
Acho que estou
corcunda
nesta dialéctica
da
absurdidade modal



Isto poderia ser uma vice-versa ó um manifesto passivo-agressivo contra os verbos. Estou farta deles e da sua conjugação, prenha dos modos de me arrastar por aqui. Este espaço não faz sentido nenhum.

terça-feira, 14 de abril de 2015

Reductio ad absurdum

As horas são difíceis, aqui.
As horas são vertiginosas, aqui.
As horas são do desprendimento que
Não se desagrafou de ti
Que
Não se descarnou de ti
Isto tudo é
Uma colecção de
Des-agarrar
De projectos falhados
De in-conseguimento
De ridículos in-conseguimentos
De magenta a
Desacelerar
De pungentes
Duplas negações
Forçadas a
Uma
(Permanente)
            Inconclusão


- do desagrado dos aindas e dos presentes-indicativos do teu passeio volúvel pela madre-seca do meu pensamento -

quinta-feira, 19 de março de 2015

Emoção estética

"Ser compreendido é prostituir-se."

E como tal podia ser outra qualquer.
Isto que sinto é tanto existir que já não sirvo mais em mim.
És. És. És.

[sou uma puta da existência]

quinta-feira, 19 de fevereiro de 2015

Mnemónica

A tua verbalização é paupérrima.
Paupérrima.
Deixa-me em paz. Que agora não tenho Oolhos para te óvir.
Paupérrima.
Em polifonia.
Não sei se tive três amantes.
Ou amante nenhum.
Não sei se pesquei.
Ou se cravei a terra nas unhas.
Ou em parte alguma.
Vagabundear.
Nas tuas meias às riscas.
Como as roliças patas da Gulbenkian.
Ki-ã.
Onomatopeias.
Da retrospectiva da vida.
Não tenho nada para te dizer.
A não ser.
Acasos.
Tenho-te em acasos.
Ou em acasos nenhuns.
A metafísica é pobre.
Aqui.
Não vou para ali.
Que ali não há.
Não há.
As tuas letras estão gastas.
Do suor sintomático da trapalhice de viver(es).
O caixão não é leve.
Ou é a memória?